Gosto muito de levar meu filho pra escola de ônibus. Ele também adora. Caminhamos, conversamos com desconhecidos e exploramos a cidade; dos pisos que criam jogos de pular ao lixo, entulho e dejetos espalhados pelo caminho. O trajeto é curto, apenas 4 pontos. Os ônibus de piso baixo ajudam bastante.
No começo ele gostava de ir no fundão, ali em cima do motor. Depois descobriu os botões que abrem as portas do ônibus. Em seguida descobriu que os motoristas são simpáticos e deixam ele apertar os botões que abrem as portas do ônibus. Alegria total.
O ponto de ônibus fica num lugar cujo lote vizinho tem um arbusto na frente. Quem está sentado ou em uma cadeira de rodas só enxerga o ônibus quando ele já está no ponto. Os responsáveis pelo ponto de ônibus não sentaram ali para ver se estava tudo bem.
São Paulo é uma cidade em que o espaço público que está fora das pistas de circulação dos motores é produzido de forma caótica e desleixada, pra dizer o mínimo.
Em primeiro lugar a responsabilidade pelas calçadas é uma situação ímpar no mundo: quem deve cuidar do espaço dos pedestres é o dono do lote, e não o poder público. Pistas para motores são feitas e mantidas pela prefeitura, pagas com o dinheiro de todos os cidadãos.
O último esforço para estabelecer padrões para calçadas foi feito em 2012. Pouco mudou desde então, a não ser alguns buracos tapados, como se esse fosse o único problema.
Além de manter a responsabilidade nas costas do munícipe sem resolver outros obstáculos, o modelo existente não pensou na ligação dos lotes, então seguem os degraus e montanhas para quem caminha, afinal o carro tem que entrar suave na garagem. Cada proprietário tapa os seus buracos e o trajeto permanece uma catástrofe. Caso encerrado.
A instalação de mobiliário urbano também é caótica. Na versão oficial, postes no meio da calçada são de responsabilidade da empresa X, as lixeiras do órgão Y e os malditos botões de semáforo da autarquia Z. Cada um instala de acordo com o seu manual ou com a demanda política do momento e fica por isso mesmo.
Quem veio primeiro, a calçada estreita, a área do bar ou o poste no meio do caminho? Não importa, a responsabilidade é sempre do outro, como se não houvesse um poder central constituído que faz a gestão da cidade e como se não houvessem cidadãos fora dos carros. Caso encerrado também.
A usurpação do espaço dos pedestres por automóveis é ampla, geral e irrestrita. O “pare dentro” disponível nos comércios geralmente não acomoda nem um Fusca, então sempre sobram rabos de SUVs e caminhonetes na calçada. Duvido que exista alguma multa aplicada num caso destes.
A situação até seria compreensível se as pistas para motores seguissem o mesmo padrão. Imagine se a empresa dos semáforos coloca um poste na frente da placa de indicação de caminho. Ou então se uma vaga de estacionamento deixasse a metade do carro sobrando em cima da pista?
E se alguém despejasse entulho no meio de uma avenida, quanto tempo ficaria ali sem que fosse retirado pelo poder público (às custas dos impostos de todos)?
E se houvesse semáforo em apenas um sentido de um cruzamento, obrigando motoristas a olhar para o farol da transversal, como é feito com as travessias de pedestre?
São Paulo é um desastre, mas ainda estamos por aqui. Enquanto isso, vamos experimentando a realidade em forma de brincadeira.
O ônibus, a calçada, o lixo, o degrau, é tudo aprendizado para que um dia a realidade seja diferente. Me parece melhor do que viver na bolha de quatro rodas entrando e saindo de garagens.